Tuesday, November 2, 2010

Aroma, Essência, Pólen, Harmonia…









Aroma, Essência, Pólen, Harmonia…

Eu que só gosto de vestidos velhos,
de velhas casas com paredes tortas,
de poeiras ancestrais, de cinzas mortas,
de desbotados rosas e vermelhos;

eu que só gosto de velhos quintais
com ásperas roseiras mal regadas;
de cortinas de rendas, passajadas
por velhos dedos com velhos dedais;

eu que só gosto de velhas gavetas,
de velhas malas com cetins puídos,
sedas, fitas, perfumes esquecidos,
leques, missais, raminhos de violetas;

eu que só quero o que ninguém cobiça,
oiros de sol e pratas de nevoeiros,
filigranas de flores nos canteiros,
folhas soltas que o vento desperdiça,

espuma de marés, conchas vazias,
cintilações de estrelas, céus distantes,
gotas de orvalho – frescos diamantes,
canções de búzios – verdes melodias;

eu que só peço a Deus o que sobeja
de humanas ambições e vãs partilhas,
continentes de luar, sonhadas ilhas,
nuvens de fumo que ninguém deseja;

eu que só quero a rude sinfonia
do vento à solta, e os dedos de veludo
da chuva nos beirais da minha rua,
aroma, essência, pólen, harmonia,
eu, que não quero nada,
quero tudo:
quero a Poesia.

Fernanda de Castro, in «Exílio», 1952


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